A vez que nosso quarto inundou em Londres
São duas da manhã. Um casal dorme profundamente na cama estreita do hotel, seus sonhos embalados pelo som de água corrente.
Até que são interrompidos por fortes batidas na porta do quarto. O marido, com o sono mais leve, acorda primeiro, surpreendido com o visitante inesperado e com um som como de uma cachoeira.
Vale ressaltar que o quarto em questão fica no centro de Londres, ao lado de uma rua movimentada, muito longe de qualquer sinal de natureza.
‘Volta a dormir, Hugo’ – diz a esposa Priscila ainda embriagada de sono – ‘deve ser em outro quarto’. Mas o marido, já alerta, decide verificar o que está acontecendo e desce da cama, pisando no carpete encharcado. Estaria o quarto naufragando? Sem entender nada, Hugo vai ainda no escuro até a porta, onde encontra um dos funcionários do hotel batendo insistentemente.
Enfim atendido, o funcionário fala em um inglês com forte sotaque indiano ‘‘Desculpe, senhor, mas está vazando água do seu quarto para os cômodos do andar de baixo’.
Alarmado pelo tom de urgência do atendente e ainda desnorteado pela situação, Hugo acende a luz do quarto e, através da pequena porta sanfonada que separa o minúsculo banheiro do restante do espaço, finalmente descobre a raiz do problema: a pia cansou de ser pia e a torneira simplesmente explodiu, sem nem dar aviso prévio.
Agora totalmente desperto, o marido observa, junto com o funcionário do hotel, a cachoeira artificial formada pela água jorrando da tubulação onde antes ficava a torneira da pia.
Após um momento de hesitação, o funcionário afinal corre de volta à recepção para pedir ajuda. Neste instante, a esposa, ainda profundamente sonolenta, se dá conta de que não, não se trata de um sonho lúcido, mas sim de uma situação muito real e de que não é um bom sinal ter água inundando o seu quarto (apesar de seu sonho secreto de infância de nadar em um quarto submerso. Quem nunca?).
Enquanto o esposo decide descer até a receptação para saber o que fazer, Priscila começa então a organizar as malas que estão no chão do quarto e que, felizmente, ainda não foram vítimas da cachoeira espontânea. No andar de baixo, o esposo está tendo os seus próprios desafios.
Apesar de não estar nada feliz com a inundação de seu quarto, Hugo percebe que a situação poderia ser pior: ao invés de uma cachoeira no banheiro, poderiam ter sofrido com uma chuva no teto, como aparentemente aconteceu com os hóspedes que dormiam no quarto abaixo do seu. Hóspedes que, por sua vez, estavam tendo uma discussão calorosa com os funcionários do hotel, uma discussão em muitas línguas e com muitos gestos.
Depois de ver um dos hóspedes até mesmo cuspir no chão da área comum do hotel, Hugo decide então que talvez seja melhor voltar ao quarto e esperar a solução por lá mesmo.
De volta ao quarto, Priscila está feliz por ter dormido com um pijama minimamente decente quando, logo após seu marido, chega um dos atendentes da recepção e informa o casal que um novo quarto está disponibilizado para eles.
Mas o momento de alívio do casal rapidamente passa quando o funcionário informa que o novo quarto fica no último andar do hotel que, para o desespero de Priscila e Hugo, não tem elevador. Assim, no primeiro dia de sua lua de mel, às três horas da manhã em um hotel no centro de Londres, um casal de pijamas e chinelo sobre quatro lances de escadas íngremes de carpete vermelho rumo ao seu novo e, esperam, seco quarto.
Mais tarde, já deitados em sua nova cama estreita e tendo o suor do esforço físico já secado, Priscila e Hugo sorriem e se satisfazem com o pensamento de que ao menos não existe nenhum quarto acima do deles de onde possa vir uma chuva indesejada.
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